Como o ‘trabalho otimizado’ pode se tornar um ciclo vicioso

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Joonas Rokkar e Ioana Lupu 07 de jan de 2022(atualizado 07/01/2022 às 15h41) (*)

Pesquisa com profissionais altamente qualificados de Londres traça um cenário de compulsão em ocupar todas as horas disponíveis cumprindo prazos e metas.

consultora estava a caminho de uma exigente reunião de clientes quando percebeu que havia sofrido um aborto espontâneo. Mas ela não interrompeu o seu dia. Em vez disso, prosseguiu para concluir a reunião no escritório de seu cliente.

A mulher, que trabalha em uma empresa de serviços profissionais de elite em Londres, foi uma das profissionais que entrevistamos como parte de nosso recente estudo sobre a vida profissional de trabalhadores altamente qualificados.

Quando começamos nosso estudo, em 2014, nos propusemos a investigar como os trabalhadores em cargos exigentes administravam seu equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Mas, logo após o início das entrevistas, percebemos que precisávamos rever nosso enfoque, pois ficou evidente que nossos entrevistados não estavam procurando equilibrar seu trabalho e sua vida privada.

Em vez disso, descobrimos que esses trabalhadores eram movidos por uma compulsão de estar sempre ocupados, o que significava que eles também estavam dispostos a sacrificar suas famílias de maneira significativa.

Como nos disse um de nossos participantes: “Você se torna um pouco viciado em cumprir prazos e em trabalhar. É muito difícil desligar”.

Enquanto há uma narrativa comum em pesquisas e na mídia de que as pessoas querem desacelerar seu ritmo de vida, nossas descobertas revelam uma história surpreendentemente diferente.

O desejo de trabalhar menos horas entre nossos entrevistados era incomum. Em vez disso, eles perseguiam outra coisa: “o trabalho otimizado”.
A busca pelo trabalho otimizado

Entrevistamos 81 pessoas que trabalham em algumas das maiores consultorias e escritórios de advocacia de Londres. Metade dos trabalhadores eram mulheres, metade eram homens, e quase todos tinham pelo menos um filho. Todos os profissionais que entrevistamos sofriam com a escassez de tempo – constantemente dispondo de muito pouco tempo para cumprir seus compromissos.

Para lidar com esse problema, eles se sentiram atraídos por um estado sedutor de trabalho no qual se sentem no controle de seu tempo. Nós chamamos isso de “trabalho otimizado” – uma experiência temporal atrativa e acelerada difícil de ser alcançada e mantida.

No geral, identificamos três tipos diferentes de experiências de trabalho: o trabalho otimizado, o trabalho excessivo e o tempo de descanso. O trabalho otimizado é um fluxo temporal elástico e agradável no qual os trabalhadores se sentem bem e mais produtivos. Essa sensação de excitação lhes dá adrenalina e energia positiva, o que é estimulante. Quando eles estavam nesse estado, sentiam que nada poderia detê-los e que poderiam, por exemplo, salvar uma empresa da falência.

Tal atração para o trabalho pode ser entendida como uma espécie de símbolo de status ou insígnia de honra, um fenômeno que já foi descrito em pesquisas anteriores.

Mas descobrimos que esse impulso foi muito mais profundo do que a mera fachada social. O sentimento de excitação era por si só intrinsecamente viciante. Um participante nos disse: “Eu geralmente adoro a intensidade disso. Isso me dá uma euforia, é por isso que faço o que faço. Eu gosto disso”.

Observamos que o estado de trabalho otimizado, agradável e positivo, muitas vezes desanda e se torna excessivo. Nesses casos, o sentimento dos profissionais de estar no controle de seu tempo desaparece. Aqui o trabalho se torna esmagador e às vezes deprimente.

Quando a excitação de um trabalho otimizado continuou por muito tempo sem pausas, ele se tornou insuportável. A conexão com a família foi muitas vezes a primeira vítima. Uma participante saiu em uma viagem de trabalho e, apesar das promessas de ligar à noite para sua família, ela não o fez – durante toda a semana.

Observamos um padrão semelhante no caso de tempo de descanso – isto é, quando o período de trabalho foi subitamente interrompido pelo tempo de inatividade, ou tipicamente, por um período de férias. O tempo de descanso foi experimentado como algo indesejável e sem sentido. Também causou tédio e até mesmo depressão. A ideia de um ritmo mais lento no trabalho era uma fonte de preocupação. Alguém nos disse: “Quando não tenho prazos, fico entediado. Fico menos produtivo porque gosto de trabalhar com a adrenalina”.

Além de entrevistar os trabalhadores ocupados, também conversamos com alguns de seus parceiros. Um deles disse: “Minha esposa é terrível. Se ela acorda para ir ao banheiro no meio da noite, ela verifica seus e-mails – mesmo às três da manhã”.
As condições para o trabalho otimizado

De um lado, os locais de trabalho produzem as condições que impulsionam a busca pelo trabalho otimizado. Identificamos uma série de mecanismos que fizeram isso, incluindo prazos impraticáveis, métricas de desempenho, timesheets e a própria cultura de trabalho – empresas e colegas esperavam que todos estivessem disponíveis para trabalhar o tempo todo por meio de seus smartphones.

As empresas que estudamos são instituições de elite que contratam os universitários com melhor desempenho acadêmico. Os novos recrutas queriam sobreviver à pressão porque sabiam que era a única maneira de conseguir uma promoção ou de se tornar um dos sócios da empresa. A cultura de trabalho logo os absorveu e normalizou os horários de trabalho antinaturais.

Por outro lado, descobrimos que os próprios indivíduos também criavam as condições para um trabalho otimizado. Alguns impulsionavam sua capacidade de trabalho com café, drogas ou exercício físico. Outros chegaram ao ponto de se isolar em um quarto de hotel para que pudessem trabalhar sem interrupções.

Uma estratégia comum era que os trabalhadores pensassem: “Esse é apenas um curto período e quando eu terminar, vou relaxar”. Para a maioria, o descanso nunca aconteceu.
Uma cultura de excesso de trabalho

Durante décadas, os estudiosos têm observado a persistência de excesso de trabalho e escassez de tempo. Esses problemas estão enraizados em muitos contextos profissionais de trabalho, não apenas em empresas de consultoria, auditoria ou advocacia.

A universidade é outro exemplo notável: estudos mostram consistentemente que o estado mental precário dos pesquisadores está ligado ao aumento das expectativas de desempenho, à ética competitiva e às métricas meticulosas que resultam em um trabalho incessante.

Nossa pesquisa oferece uma nova maneira de entender esse fenômeno. A busca por trabalho otimizado é um ciclo vicioso. No entanto, até recentemente, havia poucas pesquisas que revelavam nossas experiências cotidianas sobre o tempo e como elas podem se apoderar de nós.

Os indivíduos que estudamos, embora em um contexto indiscutivelmente extremo, muitas vezes estavam indiferentes ao que estava acontecendo com eles. Talvez esteja na hora de todos nós refletirmos sobre como e por que estamos tão viciados em nos sentir ocupados.

(*) Joonas Rokkar é professor de marketing na Emlyon Business School, na França.

(*) Ioana Lupu é professora associada da ESSEC (École Supérieure des Sciences Économiques et Commerciales), na França.

Fonte: Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/externo/2022/01/07/Como-o-%E2%80%98trabalho-otimizado%E2%80%99-pode-se-tornar-um-ciclo-vicioso

ARTIGO ORIGINAL : How workers become seduced by the cult of ‘optimal busyness’ The Conversation Dezembro de 2021 Autoria: Joonas Rokka e Ioana Lupu Tradução: Bernardo Machado



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